Gilles Deleuze e as imagem-movimento e imagem-tempo

Gilles completa seu doutorado no final da década de sessenta com a tese Diferença e Repetição e eis que nasce o autor Deleuze, um pensador francês “filho de maio de 68”. Com uma extensa bibliografia que envolve artes, psicologia e filosofia, em meados da década de oitenta publica dois livros sobre o cinema. Só de modo introdutório, vamos dar conta bem por cima de dois conceitos que aparecem no livro.

Os livros são irmãos e se chamam Imagem-movimento e Imagem-tempo. Neles, Deleuze faz uma extensa análise de novas imagens que o cinema apresenta, derivados do pensamento moderno. O título de cada livro corresponde a um conceito que neles são desenvolvidos.

No primeiro, o autor descreve a montagem no cinema clássico (filmes antigos como Ben-Hur, mas também novos como Titanic). Ele destaca que o modo como os planos eram sequenciados buscavam criar uma sensação natural de movimento. Por exemplo, se filmamos um diálogo entre duas pessoas e usamos dois planos diferentes, um enquadramento para cada ator, podemos tomar a fala de cada um em dias diferentes, mas restituir o fluxo desse diálogo ao montar os planos de modo sequencial e que aparente ser um fluxo natural, verossímil. O cinema não nos dá o movimento das coisas tal como elas são, no entanto é capaz de criar uma imagem desse movimento. Esse tipo de montagem vemos o tempo todo nas novelas, nas sitcoms etc.

Por exemplo, veja o vídeo abaixo. Entre 0:16 e 0:21 há uma troca de plano exatamente quando o ator senta ao piano. No entanto, se assistirmos com atenção, o primeiro plano termina quando ele coloca a mão direita sobre as teclas, e o segundo começa um pouco antes disso. Não era a intenção do diretor que isso ocorresse, mas são falhas que ocorrem quando se filma uma tomada por vez, dificultando o encaixe. Isso não atrapalha o desenvolvimento: por vezes esse tipo de coisa ocorre diante dos nossos olhos no cinema e na TV mas não nos damos conta, porque nos interessa o enredo:

No segundo livro, Deleuze parte para os métodos de montagem no cinema moderno. O que acontece? No filme Acossado, de Godard, por exemplo, acontecem várias cenas como a seguinte:

O que aconteceu? O diretor suprimiu parte do rolo de filme de um mesmo plano, ou ao menos quis passar esta sensação. Isso rompe com a nossa lógica de linearidade temporal. Na troca de planos, acaba evidenciando que o tempo passou (imagem-tempo), e não tenta disfarçar isso, como no cinema clássico. Ele evidencia o método de montagem, faz ver o modo como o cinema é feito, como ele entra em choque com a nossa percepção.

Livro: Audiovisualidades da Cultura

A Editora Entremeios lançou este ano uma coletânea de artigos dos integrantes do GPAv (Grupo de Pesquisa Audiovisualidades). Conta com um artigo escrito por mim, Potências de videoclipe no cinema e no vídeo, derivado de meu trabalho de conclusão da graduação.

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Meu artigo trata daquilo que está congelado na matéria de audiovisuais anteriores como potência, podendo ou não se atualizar  em videoclipes, especializando, assim, sua linguagem. Realizo para tanto um apanhado histórico da produção de audiovisuais que trabalham concomitantemente imagem e música, como Fantasia, de Walt Disney, e Ano Passado em Marienbad, de Alan Resnais, passando também pelos conceitos de imagem-movimento e imagem-tempo de Gilles Deleuze. Finalizo com uma breve análise do videoclipe To The End, de  David Mould, produzido para música da banda Blur, no qual comparecem algumas das potências de videoclipes reconhecidos nos audiovisuais analisados.

Os textos:

Imagens conectivas da cultura
Suzana Kilpp

Linguagens cultura e inovação – Uma proposta de abordagem
Ione Bentz

Somos todos mutantes – Atualizações audiovisuais em redes discursivas
Nísia Martins do Rosário
Ricardo de Jesus Machado

Imagem Intransitiva
Luiz Felipe Soares

Os cinemas de Mário Peixoto
Alexandre Rocha da Silva

Imagens em crise – Cinema, antropofagia e transe
Regina Mota

Imagens de invasão e violência urbana – Realismo e violência no filme de Beto Brandt
Bruno Bueno Pinto Leites

Sobre a luz e as potências do escuro na fotografia – Moldurações nos conceitos fílmicos de sexo
Bruno Bortoluz Polidoro

Da fotografia às inscrições fotográficas no audiovisual
Cybeli Almeida Moraes

Potências de videoclipe no cinema e no vídeo
Marcelo Bergamin Conter

Michael Jackson – Coreografias audiovisuais
Carlise Scalamato Duarte
Alexandre Rocha da Silva

Uma descrição do grupo:

O estudo das audiovisualidades decorre de um conjunto de ações articuladas e articuladoras de pesquisadores em torno de uma problemática emergente nas mídias e na pesquisa em Comunicação que se relaciona ao audiovisual latu sensu como dispositivo central do momento do processo de globalização das culturas. O Grupo de Pesquisa Audiovisualidades (GPAv) estuda o audiovisual desde a perspectiva de sua irredutibilidade a qualquer mídia – ele é, antes e mais, uma virtualidade que se atualiza nas mídias, mas que as transcende. As pesquisas do grupo estão focadas em três aspectos, não excludentes – estudos experimentais dos devires de cultura e em devires teórico-metodológicos; estudos dos processos da produção audiovisual marcada pela convergência tecnológica e por hibridismos formais, narrativos e expressivos; estudos das linguagens audiovisuais. (excerto do ‘manifesto audiovisualidades’).

Audiovisualidades de video clipes produzidos para web (4/5)

O FALSO, O FANTASMA E O FANTÁSTICO

Cogitamos que o videoclipe possua três potências que o caracterizam como tal, que o fazem ser aquilo que ele é. Inspiradas na imagem-tempo de Deleuze (1990), nas personagens do filme Ano Passado em Marienbad (Alan Resnais, 1961) e no filme Fantasia de Disney (1940), elas seriam, respectivamente: o falso, o fantasma e o fantástico. As definições no dicionário para estas três palavras são semelhantes, o que permite dizer que estas características confluem, sendo, assim, não-excludentes, estando, até certo ponto, incluídas uma na outra:

• Falso. Adj. Contrário à realidade; Em que há mentira, fingimento, dissimulação ou dolo; Diz-se daquilo que é feito à semelhança ou imitação do verdadeiro.

• Fantasma. Sf. Imagem ilusória; fantasmagoria; Visão terrífica, medonha, apavorante; Imagem multiplicada que em aparelhos de televisão às vezes se observa, em conseqüência de más condições de recepção.

• Fantástico. Adj. Só existe na fantasia ou imaginação; fantasmagórico; Falso, simulado, inventado, fictício.

Vamos analisar em especial MC Jeremias. O material capturado na delegacia onde Jeremias fora entrevistado foi montado de acordo com as “normas” do cinema clássico, visando uma sensação de continuidade, por mais que os planos que se sucedem possam ter sido registrados fora da ordem disposta no vídeo.

Na edição ainda entram as legendas, logotipos do programa e outras imagens adicionadas e sobrepostas no panorama, que ajudam a passar uma sensação de fluidez da entrevista, disfarçando a montagem. Esta reportagem é composta de maneira a organizar imagens descontínuas de maneira que desenvolvam uma narrativa, fazendo com que pareçam contínuas. É o falso apresentado como verdadeiro.

Quando as imagens são atualizadas pelo videoclipe, elas deixam de fazer parte de uma narrativa, de um esquema sensório-motor, e passam a apresentar situações óticas e sonoras puras ao invés de uma imagem indireta do tempo (Deleuze, 1985, 1990). Por isto, MC Jeremias e os videoclipes em geral não têm o propósito de representar o “real”; pelo contrário, eles imaginam outro mundo: o mundo fantástico do próprio videoclipe. Eles apresentam o falso como potência do falso.

Outro aspecto que devemos considerar como potência é o caráter fantasmagórico das personagens e dos cenários de videoclipe. Desse ponto de vista, um filme interessante a ser pensado é O ano passado em Marienbad. Segundo Maciel (2001:85), o diretor, Alan Resnais, decompõe a noção cartesiana de espaço-tempo através da montagem do filme, que

[…] explora as zonas de inconsistência do tempo e da memória, a partir da diluição dos limites entre realidade e imaginação. […] o filme joga com a sincronia do tempo e com a temporalidade do espaço, à medida que mistura presente, passado e futuro em um espaço vertiginoso, representado pelas salas, corredores e jardins labirínticos de um hotel barroco.

A câmera passeia pelo espaço físico do gigantesco hotel, seus corredores, janelas, espelhos e quartos repetitivos, criando miradas vertiginosas, tensionadas por falsos-raccords e uma música hipnótica, que fazem o espectador “perder o chão” do espaço-tempo instituído pelo cinema clássico. Tudo se passa como se fosse um sonho, e o tempo parece jorrar sem direção, como se se congelasse na densidade visual do hotel. Aliás, não só o hotel, mas os personagens também parecem congelados, como se fossem instantâneos.

No entanto, há algo que tenta romper com essa sensação: são os travellings que a câmera insiste em realizar. É como se o hotel e as personagens fossem memória, e a câmera, um pensamento que se esforça em tentar lembrar de algo que ocorreu naquele lugar, com aquelas pessoas, há algum tempo atrás, vasculhando essa memória. Ao invés de buscar uma representação da realidade, Resnais apresenta imagens-lembrança, um filme inteiro constituído de flash-backs, que busca incessantemente a memória pura (a origem do fato), estabelecendo assim temporalidades descontínuas. Aqui, nem os diálogos, nem o narrador conseguem manter um princípio de temporalidade contínua. A única coisa que parece simular uma continuidade temporal é a trilha musical.

Marienbad afirma a existência e a inexistência do encontro ao mesmo tempo […]. Ao contrário da imagem-movimento do cinema clássico, onde o espectador reconhece no filme situações, comportamentos, a representação de um estado de coisas, na imagem do cinema moderno, o mundo perde sua identidade, entra em crise e se torna falsificante, múltiplo. (FRANÇA, 2005:32-33)

Dessa forma, as personagens também adotam identidades múltiplas, e essa impossibilidade de reconhecer uma identidade no rosto de outra personagem faz com que acabem se perdendo no espaço atemporal construído pela diegese do filme. Como diz Deleuze (1990:55),

Outra coisa acontece no cinema dito moderno: não algo mais bonito, mais profundo, nem mais verdadeiro, mas outra coisa. É que o esquema sensório-motor já não se exerce, mas também não é ultrapassado, superado. Ele se quebra por dentro. Quer dizer que as percepções e as ações não se encadeiam mais, e que os espaços já não se coordenam nem se preenchem. Personagens, envolvidas em situações óticas e sonoras puras, encontram-se condenadas à deambulação ou à perambulação. São puros videntes, que existem tão-somente no intervalo de movimento, e não têm sequer o consolo do sublime, que os faria encontrar a matéria ou conquistar o espírito. […] A relação situação sensório-motora/imagem indireta do tempo é substituída por uma relação não-localizável situação ótica e sonora pura/imagem-tempo direta. Os opsignos e sonsignos são apresentações diretas do tempo. Os falsos raccords são a própria relação não-localizável: as personagens não os saltam mais, mas mergulham neles.

É interessante comparar esse comportamento das personagens de Marienbad com as do cinema dos primórdios. Prendergast, em seu livro intitulado Film music: a neglected art (1992:3), fala da necessidade de haver trilha musical para o cinema mudo:

Sentiu-se essa necessidade para poupar o espectador do estranhamento envolvido em ver efígies de pessoas vivendo, atuando e até mesmo falando, que eram ao mesmo tempo mudas. O fato de que elas são vivas e não-vivas ao mesmo tempo é o que constitui seu caráter fantasmagórico, e a música foi introduzida não para supri-los com a vida que lhes faltavam […] mas para exorcizar o medo ou ajudar o espectador a absorver o choque. [tradução minha]

No cinema moderno (que também é cinema falado), a possibilidade das personagens produzirem som “dá vida” a elas, e faz com que se criem novos modos de articulação das mesmas com a trilha sonora. Assim, se no cinema mudo era a imagem que assustava, em Marienbad é a música que produz um clima fantasmagórico, desta vez não por insuficiência técnica, mas como proposta estética, para construir um ambiente próprio para este filme. Daí esse desconforto das personagens, impactadas pela imagem direta do tempo e pela composição assombrosa da trilha musical.

Se no cinema a música servia em grande parte para ambientar a narrativa – e, no caso de Marienbad, para causar um desconforto -, nos videoclipes a música é o ambiente, uma vez que, se não há música (ou potência de música), não há videoclipe. E suas canções populares (como as dos vídeos analisados neste trabalho), são fantasiosas em suas letras: contam histórias, falam de desejos, sonhos ou até mesmo de nada em especial, ao sabor do nonsense. A partir desses elementos e também do ritmo, melodia e harmonia da canção, o diretor imagina o lugar onde o videoclipe se passa, o qual, assim como o das letras das canções, acaba sendo um espaço fictício, alhures, o lugar algum como “marienbad” em Marienbad.

O alhures é de natureza intrínseca do videoclipe. Isso acaba acontecendo porque, do mesmo modo que as imagens técnicas, a música também tem o poder de imaginar o mundo. A música integra essa característica ao videoclipe, sendo que quem criou a canção é o mesmo músico que está atuando, cantando e tocando em playback. Talvez por isso as personagens do videoclipe – e também os espectadores – não “estranhem” o espaço/tempo em que estão inseridos. É como se já possuíssem uma memória-hábito do meio onde estão inseridas, pois são parte de sua criação.

As três potências que apontei são características intrínsecas de todo videoclipe, e podem ser pensadas como seus modos de agir. Todo videoclipe soa falso, soa fantasmagórico e soa fantástico, porque videoclipes constituem-se de tempos criados dentro de si, imageticamente. São todos, talvez, no extremo, manifestações de tempo-fantasia.

Referências Bibliográficas

DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

FRANÇA, Andréa. Foucault e o cinema contemporâneo. ALCEU, V.5, nº10, p. 30 a 39, jan/jun 2005.

MACIEL, Maria Esther. A poesia no cinema: de Buñuel a Greenaway. Cadernos de Tradução (UFSC), v.7, p. 81-91, 2001.

PRENDERGAST, Roy M. Film music: a neglected art: a study of music in films. 2ª ed. New York: W. W. Norton, 1992.

Audiovisualidades de video clipes produzidos para web (3/5)

AMATEUR E A IMAGEM-MÚSICA

Num outro movimento de produção de videoclipe para web, Lasse Gjersten, um sueco de 22 anos, concebeu um vídeo denominado Amateur. Sua concepção é simples, entretanto a produção muito complexa. Gjersten se registrou em vídeo sentado diante de bateria e piano, tocando apenas uma vez e isoladamente cada peça ou nota de cada instrumento.

Num editor eletrônico de vídeo, ele lançou na linha do tempo as batidas da bateria de modo a compor ritmos, e depois repetiu o procedimento com o piano, dividindo a tela em duas molduras e mostrando ambos os instrumentos sendo tocados por ele, em simultâneo.

É mais ou menos o mesmo processo de The Hardest Button To Button, videoclipe produzido por Michel Gondry em 2003, produzido para música da dupla White Stripes – este, produzido de acordo com os padrões da indústria fonográfica. Simulando uma espécie de stop motion com objetos e pessoas de verdade, Gondry multiplica a imagem dos instrumentos musicais na tela a cada vez que são tocados, como se vê a seguir:

A música começa com uma batida regular de bumbo, sendo que para cada vez que a baterista Meg White, em playback de imagem, pisa no bumbo, ocorre uma troca de plano. Ela reaparece no plano seguinte sentada agora à frente de um segundo bumbo, sendo que o primeiro está ao lado, exatamente onde fora utilizado; e assim por diante. Cada plano do clipe dura exatamente o intervalo entre duas batidas da bateria (ocorrem algumas montagens diferenciadas ao longo do vídeo, mas esta é a base).

A trilha imagética então é extremamente cortada e montada com aparentes falsos raccords. Pra quem não sabe, falsos raccords são cortes bruscos nas trocas de planos, obtendo-se uma supressão de tempo-espaço. São seqüências que não se complementam da maneira tradicional do cinema. Por exemplo: se, num plano qualquer, tal personagem está de pé, no plano seguinte ele pode, abruptamente, aparecer sentado. Ainda que isto cause estranheza, “[…] não impede a compreensão correta da história contada, e só é ‘falso’ na visão de uma ‘veracidade’ convencional, a de certa continuidade do visível.” (Aumont, 2003:116). Mas no vídeo do White Sripes são aparentes porque a montagem eletrônica, que permite cortes ultra-rápidos, é utilizada neste vídeo, o que não caracteriza exatamente um falso raccord. Poderíamos pensá-las antes como imagens do tempo, conforme Deleuze (1990), pois as imagens neste vídeo não são de caráter narrativo, mas situações óticas e sonoras puras, o que também ocorre, com maior ou menor intensidade, em todos os outros vídeos analisados.

Os vídeos para internet se assemelham esteticamente ao clipe do White Stripes pela aparência replicante. Mas, na verdade, há uma diferença: não há playback, e todos os sons são provenientes da mesma fita onde foram gravadas as imagens.

Em Amateur, mesmo que o vídeo deixe claro que a música foi pensada antes de sua concepção, ela só pôde ser ouvida após sua construção, realizada pela edição.  Pode-se perceber isto quando Gjersten toca algumas notas combinadas (acordes) no piano. Ele provavelmente compôs uma partitura para poder lançar posteriormente notas e acordes tocados em ordem correta no vídeo, senão teria que tocar o piano de todas as maneiras possíveis (que são infinitas) para poder compor livremente no software de edição – algo impossível de ser realizado. O instrumento musical aqui não é a bateria ou o piano, mas o software de edição de vídeo. As notas musicais são as tomadas audiovisuais (ou planos) de cada nota produzida pelo piano ou bateria, que no software aparecem como possibilidades de criação musical. Na verdade, seria melhor pensá-las como samplers, que são muito utilizados na música eletrônica. E o produto final, o videoclipe, é como uma caixinha de música tecnológica, uma espécie de partitura eletrônica que reproduz sons de acordo com a maneira como foram programados.

Este é um exemplo claro de imagem-música, um conceito de Silva (2005:2): “Imagem-música é um texto sincrético, isto quer dizer, um texto formado por diferentes linguagens em cujos planos de expressão importam mais as articulações entre sons (musicais) e imagens, do que as gramáticas específicas de cada linguagem considerada isoladamente.”. Imagem e música estão tão articuladas em Amateur, que, escutar a música sem ver a imagem não causa nenhum impacto no ouvinte, que vai pensar que se trata de uma performance tradicional com um baterista e um tecladista tocando um ao lado do outro seus respectivos instrumentos. Da mesma forma, ver as imagens sem áudio simplesmente parecerá que o diretor do vídeo “amontoou” uma série de imagens desconexas.

Estamos diante de uma nova fase do videoclipe musical: sua autonomização. Livre do sistema mercadológico, ele não precisa mais necessariamente divulgar um artista, e a criação da música pode ocorrer tanto antes quanto durante ou depois da imagem. Ou ainda, pode ser criada em paralelo, de forma que ambos tornem-se cada vez mais dependentes. Esse estágio do videoclipe já vinha sendo ensaiado tanto por alguns videoclipes como The Hardest Button to Button quanto pela MTV, como propõe Coelho Netto (1995:163):

Deixando de lado a tentação de tentar entender o que Lênin quis dizer com a frase “O cinema é a arte do século XX”, a resposta da MTV seria: este é o século (o final de século) da imagem e do som, ao mesmo tempo. O século (ou o que resta dele) do audiovisual, termo de forte sabor burocrático que, no entanto, expressa bem o que recobre.

Referências Bibliográficas

AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas: Papirus, 2003.

COELHO NETTO, José Teixeira. Moderno pós moderno: Modos & Versões. São Paulo: Iluminuras, 1995.

DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.

SILVA, Alexandre Rocha da. Devires de Imagem-Música. In: INTERCOM – XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005, Rio de Janeiro. INTERCOM, 2005. Disponível em: <http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/16872/1/R0921-1.pdf&gt;. Acesso em: 19 out. 2007.